sexta-feira, 12 de outubro de 2012

ENTRE O MITO E A FILOSOFIA


A Questão da Ordem

A filosofia nasceu acima de tudo impulsionada pelos questionamentos acerca da organização  do universo, tanto no âmbito natural como no funcionamento da sociedade.

Com senso de democracia a Grécia desenvolveu um rica cultura
A filosofia surgiu na Grécia entre os séculos V e IV a.c, a cultura e a organização social da Grécia impulsionavam esse salto de avanço rumo ao conhecimento. Com a noção de liberdade e democracia implantada com o desenvolvimento da classe aristocrática a organização das Cidades-Estados passou a ser questionada e debatida pelos homens livres, em um terreno de debate aberto o conhecimento floresceu, a dúvida de como o mundo funciona, as regras que regem a organização do universo foram buscadas de maneira metódica e crítica, buscando superar aquilo que entrava em conflito com o raciocínio lógico, era o início da superação das explicações mitológicas, outra alternativa de pensamento surgia, era a filosofia.

A Função Exercida Pelo Mito

As explicações mitológicas não serviam apenas para completar a ânsia humana por saber a gênese das coisas, elas tinha um caráter moralizante que mantinha o imaginário grego dentro dos moldes da sociedade vigente. A cultura grega até então era baseada nestes mitos, nos deuses e como a relação entre estes seres moldavam o universo e as relações humanas. Os mitos justificavam tanto o curvar das árvores aos ventos como o curvar dos homens aos seus superiores, eles serviam para manter o status quo da sociedade.


Mito de Édipo, consultando a Esfinge soube do seu terrível fim, matar o pai e casar com a mãe, ao qual não pode escapar, mesmo tentando, uma demostração simbólica que não se poderia contrariar a vontade dos deuses

As mudanças de pensamento e a brecha para o surgimento da filosofia veio com a dinâmica de poder dentro da pólis, vou tomar a história de Atenas como exemplo – já que foi a Cidade-estado em que a democracia teve inicio e maior auge entrando para a história como o símbolo da Grécia do período – com a ascensão de Péricles, um homem muito querido pelo povo, que agiu de maneira a propiciar uma maior participação do povo nas 
decisões administrativas, somando isto ao aumento do poder dos aristocratas temos como resultado a diminuição do poder monárquico. Após a morte de Péricles a democracia se estabeleceu de vez entre os homens livres – exclui-se da definição de homem livre no período, mulheres, escravos e homens abaixo de 30 anos. Sem contar um fator decisivo para participar da vida política com afinco, o econômico, o perfil democrático da Grécia era muito avançado em relação as nações vizinhas, entretanto para poder dedicar-se efetivamente à política os homens tinham que ser ricos, pois caso contrário deveriam despender seu tempo ao trabalho.


Pintura de Péricles, o soberano adorado pelo povo.




As mudanças na organização social e o tempo livre que os ricos possuíam foram de fundamental importância para o surgimento da filosofia. Quando os homens exerciam sua cidadania, participavam dos debates eles com isso auxiliavam na construção do destino da cidade, tal forma de encarar a vida os levava a questionarem-se sobre uma, até então, verdade universal, o determinismo dos deuses. Não era mais aceitável para tais homens ter seu destino definido por relações divinas, estes homens foram aos poucos buscando entender de maneira mais clara a realidade, entende-la metodicamente, aprendê-la e assim manipulá-la, aumentar a compreensão e assim aumentar também a liberdade. Ser os senhores do próprio destino, surgia assim a filosofia, um amor pelo saber.

Explicado rapidamente o contexto social que levou a buscar a superação dos mitos, trazendo as luzes da filosofia, vou tratar mais especificamente sobre o mito, este pensamento anterior ao pensamento filosófico. Nos textos que seguirão este vou tratar quase que exclusivamente a história da filosofia, voltando a falar de mito só esporadicamente. As principais ideias no campo da filosofia mudaram com o tempo e sociedade, mas o mito continuou com a mesma função primordial sempre, a função de manter a sociedade coesa com as pessoas tendo as mesmas certezas em comum, o que permite uma certa regularidade de comportamento, dependendo da sociedade podemos até dizer uma padronização de comportamento dos seus integrantes. Tal função pode ser boa ou má, necessária para manutenção ou um bloqueio para o avanço, isto dependendo do ponto de vista de quem o analisa, dependendo de qual a posição social de quem a percebe.

Os Mitos: Aprofundando no assunto

As narrativas míticas relatam em geral histórias fantasiosas para responder questões a respeito da gênese das coisas, as condições existenciais, o funcionamento da natureza, bem como questões sobre vida e morte, são profundas questões da humanidade, que variando de cultura para cultura, obtemos ricas histórias usando diversas referências para explicar por muitas vezes os mesmos fatos. É uma prova da gigantesca dimensão criativa da mente humana.

Caronte, levando as almas dos mortos pelo rio Aqueronte , mito grego

A filosofia diferente de criar caracteriza-se por buscar as regras naturais para o funcionamento do universo – a filosofia é a tentativa de reduzir a multiplicidade de expressões humanas a uma única ordem, a ordem racional, por isso a filosofia é entendida como superação do mito, como um aprofundamento do imaginário no real, é trazer a realidade à mente, organizar as interpretações humanas do universo para a luz, desconectada das sombras do irreal.

E a Gênese da Filosofia?

A filosofia é defendida pelos filósofos como superação do mito, entretanto alguns dizem que a filosofia foi o rompimento com o mito, os primeiros filósofos teriam percebido a fragilidade das explicações míticas frente ao pensar racional, rompendo com o que era a humanidade até então e se auto direcionando a um novo rumo de pensamento. Outros filósofos vem na explicação acima algo fantástico demais para ocorrer, estes acreditam que a filosofia vem de um aprimoramento do mito, um gradual avanço, mesmo nos textos dos primeiros filósofos vemos fortes marcas da religião, isto porque fazia parte da forma de pensar dos habitantes daquela região, acreditar num súbito rompimento é o mesmo que ingenuamente acreditar que da noite para o dia uma pessoa possa escolher toda uma outra forma de ser, pensar e agir.

“Não sabemos se os contemporâneos dos primeiros filósofos gregos acreditavam verdadeiramente que a Via Láctea era o leite espalhado pelo seio de Hera, mas quando Demócrito afiram que não se trata senão de uma concentração de estrelas, a maioria considera isso como uma blasfêmia. Quanto a Anaxágoras, que deu como certo ser o Sol um aglomerado de pedras, chegou mesmo a ter conflitos com os poderes públicos. É verdade que as doutrinas dos primeiros filósofos estavam ainda marcadas pela mitologia, mas isso não deve esconder-nos a sua orientação fundamentalmente antimitólogica.” OIZERMAN, in:GOMES & FIGUEIREDO, 1983 p.80-81

O gradual avanço na direção da luz da verdade se deu ainda dentro das questões mitológicas, foram acima de tudo racionalizações dos mitos, isto não seria possível se a Grécia daquele período não mantivesse contato com outros povos permitindo assim que os gregos tivessem acesso a diferentes visões de mundo, que mescladas foram aparando arestas de dúvidas.

Pensamento Metódico Racional e Mitológico, Oposições Vinculadas

Como foi demonstrado acima, os mitos exercem funções sociais. Mas como apenas narrativas fantasiosas que instigam o imaginário das pessoas podem ter uma função concreta no dia a dia de uma população. A explicação para isso não é tão complexa como parece. Os mitos são tentativas de explicar a realidade, como tal eles têm vínculos com a forma que as coisas se apresentam no mundo real, eles a justificam respondendo como ocorre isto ou aquilo, embora não esclareçam o por quê,  os mitos são no final de contas o limite do conhecimento racional, ele é a sombra projetada quando a razão ilumina algo, ele é a resposta para as perguntas sem resposta. A ciência e a filosofia fazem perguntas e as respondem quando conseguem, quando não conseguem o mito preenche esta função. Por isto diferentes sociedades formularam diferentes mitos, após questionarem-se sobre determinado assunto, buscaram explicações e as encontraram nos mitos, diferentes mitos vindo de diferentes percepções da realidade para responder por vezes as mesmas perguntas. Fora o contexto social, ainda há a questão da experiência pessoal, algumas pessoas se apegam a algum mito que outros desconsideram, um exemplo é o clássico caso de teístas e ateus. Algumas mentes tiveram a experiência do questionamento do mito da divindade, isto lhes força a buscar outras respostas, por vezes mesmos outros mitos para preencher um mito superado, mas que não foi encontrada resposta racional. Por isso, mesmo hoje com tamanho desenvolvimento tecnológico alcançado pela humanidade ainda existem mitos no imaginário humano.

Os Mitos Atuais

As maravilhas cientificas do mundo moderno ganharam seu esplêndido impulso com a revolução industrial e o iluminismo. A técnica guiada pela ciência apontou uma nova era para a humanidade, um desenvolvimento cada vez mais acelerado, jamais visto, jamais imaginado, nada menos que a definitiva superação dos deuses de outros tempos. Isto é o que os iluministas do século XVIII acreditavam. Mas meu caro leitor, será que os desejos deles se concretizaram? Olhe a sua volta, quantos mitos lhe rodeiam, quantos deles disfarçados por um nome muito mais familiar para os dias de hoje , disfarçados de progresso.

Os iluministas tinham o progresso cientifico como ideal para o desenvolvimento humano, eles estavam parcialmente certos, apenas parcialmente, o desenvolvimento das técnicas permitiram o maior controle do homem sobre a natureza, os produtos criados e os conhecimentos adquiridos propiciaram conforto e expandiram os anos de vida. O problema é que isto não foi para todos, mas apenas para alguns que detinham o poder econômico. O mito do progresso, o mito no poder da ciência de dar controle sobre a vida 
são os mitos da modernidade, eles justificam a ordem capitalista de sociedade, integrando o mito do progresso, ao mito da democracia, o mito da ciência a serviço da felicidade, temos um emaranhado de teias que não só prendem, mas cegam as pessoas. A ciência não está a serviço da felicidade, mas a serviço do capital, a democracia do voto também é um mito, pois não permite liberdade de ação, mas apenas liberdade de escolher o que lhe é oferecido pelo mundo burguês, isso leva a configuração de Estado já exposta pelo filósofo Karl Marx no século XIX, “O Estado é o comitê da burguesia”, por fim o mito do progresso, o progresso não está para todos, mas para apenas alguns, o progresso é o ideal 
nunca alcançado que leva as pessoas a se submeterem a forma de trabalho atual, forma de trabalho voltado para satisfazer os donos de capital, enquanto os trabalhadores correm atrás de produtos para satisfazer seus falsos ideais de felicidade, os mitos da sociedade a mantém como ela é, se não nos aprofundamos no conhecimento, não apenas no conhecimento técnico e cientifico, mas social, usar da filosofia, da capacidade de filosofar para iluminar os aspectos da vida humana, caso contrário, as sombras dos mitos escurecerão a humanidade por muito tempo.

Seria a ciência um avanço para o bem ou mais um elemento corrompido pela sociedade?



Enfim, Definição de Mito e Considerações a Memorizar.

Mito é uma explicação da realidade por elementos simbólicos, que de alguma forma se vinculam na mente das pessoas com aspectos da vida. Diferente do logos, que é uma explicação usando elementos racionais. O mito permite que a sociedade continue funcionando, pois ele apara as arestas de conflito moral, ou seja, soluciona as dúvidas.

Exemplo: Por que não se pode roubar? Por que isso é pecado e quem faz isso vai para o inferno.
As explicações míticas são em geral diretas e tendem a mostrar a forma correta de agir para aquela sociedade.

Assim como o mito na pólis mantinha a aristocracia no poder os mitos modernos mantém uma sociedade capitalista em vigência. O mito mantém a sociedade em funcionamento, esta é a função que ele executa.

Sempre haverá novos mitos, pois eles são as sombras ainda não iluminadas pela razão ou a sombra causada pela iluminação de um objeto. É a resposta para a dúvida que surge logo após respondermos uma pergunta.

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