sábado, 3 de novembro de 2012

PENSAR FILOSÓFICO



Vou apresentar aqui um dos textos mais famosos da filosofia, a Alegoria da caverna de Platão, vamos analisar o texto e identificar de maneira mais clara o que é pensar filosoficamente, mais que isso, vamos ver como Platão via a exigência do filósofo agir em busca do bem comum. Vamos ao texto:

A ALEGORIA DA CAVERNA
Trata-se de um diálogo metafórico onde as falas na primeira pessoa são de Sócrates, e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, são os irmãos mais novos de Platão. No diálogo, é dada ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade.
Sócrates Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.
Glauco – Estou vendo.
Sócrates Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.
Glauco - Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.
Sócrates Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?
Glauco — Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?
Sócrates E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?
Figura ilustrativa da situação na caverna.
Glauco — Sem dúvida. 
Sócrates Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?
Glauco — É bem possível.
Sócrates E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?
Glauco — Sim, por Zeus!
Sócrates Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados?
Glauco — Assim terá de ser.
Sócrates Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?
Glauco - Muito mais verdadeiras.
Sócrates - E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?
Glauco - Com toda a certeza.
Sócrates - E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?
Glauco - Não o conseguirá, pelo menos de início.
Sócrates - Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.
Glauco - Sem dúvida.
Sócrates - Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.
Glauco - Concordo.
Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.
Glauco - É evidente que chegará a essa conclusão.
Sócrates - Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?
Glauco - Sim, com certeza, Sócrates.
Sócrates - E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?
Glauco - Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.
Sócrates - Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: Não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?
Glauco - Por certo que sim.
Sócrates - E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?
Glauco - Sem nenhuma dúvida.
Sócrates - Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.
Glauco - Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.
(Platão. A República. Livro VII)



A Luz do Conhecimento


                Platão demonstra neste texto dois níveis de conhecimento, o primeiro é sensível, podemos dizer que o conhecimento sensível trata-se do saber adquirido mais diretamente, as impressões imediatas que os objetos deixam, por exemplo frio, quente, áspero, liso, claro, escuro etc. São as percepções individuais do que vem a ser o mundo, é o que ele nos parece. Os homens presos na caverna estão neste nível, acreditam que o real é aquilo que eles veem e percebem por meio de seus sentidos, nota-se que este conhecimento imediato provoca distorções entre o que é real e o que a realidade parece para nós, volte a Alegoria da Caverna e veja o trecho em que os homens acorrentados acreditavam que as vozes das pessoas que passavam por traz deles eram entendidas como a voz das sombras dos objetos, os quais eles pensavam serem os próprios objetos. O segundo nível de conhecimento é o inteligível, Platão atribui a este maior valor, já que ele permite ao ser humano desprender-se de seus mitos e distorções sobre o real. Na alegoria, o personagem que é levado para fora da caverna entra em contato com a razão, ele não a suporta, pois o que a realidade é em si nada tem a ver com o que ele achava a não ser uma vaga referência pelas sombras. Primeiro ele olha para as sombras, depois para o objeto, a visão por outra dimensão lhe permite entender toda a mentira que vivera durante seu tempo na caverna.

A Superação do Mito

                A própria Alegoria da Caverna é uma narração que utiliza de elementos míticos, talvez uma ruptura de uma forma de pensamento à outra seja impossível, então a melhor forma de levar a outro nível de conhecimento seja utilizar dos elementos conhecidos pelas pessoas, mesmo que esses elementos possam ser incompletos, deve-se entender isso como se demonstrando devagar e apenas parcialmente o objeto, quando ele for revelado por inteiro, o objeto não seja mais o que ele era no inicio, mas algo completamente diferente.

                A filosofia primeira raciocinou a respeito dos elementos míticos, os deuses e suas relações entre si, mas ao invés de atribuir a eles a razão dos fenômenos do mundo, partiu dos elementos naturais que esses deuses representavam, a água, terra, fogo, ar etc, o ponto de vista altera também o objeto observado, a filosofia não é mais a explicação mítica por vias racionais, mas uma análise racional sobre o mundo desencantado. Assim, mito e filosofia estão separados, pois um olha e descreve fantasias, a outra não concede em seus limites a mera existência do fantástico sem que este esteja subordinado ao natural.

A Dimensão Social

                No texto também ocorre um fato curioso, o homem livre das sobras retorna a caverna para livrar os que ainda estavam presos lá. Ele age politicamente, seu interesse é o bem comum, todos aqueles que alcançaram pela razão níveis de saber acima da média de seu tempo, tem este compromisso para com sua sociedade.

                Ao longo da história humana vimos que este ato se repetiu diversas vezes, pessoas que atingiam um amplo conhecimento sobre uma questão não apenas cientifica, mas moral, voltaram-se para a sociedade tentando demonstrar as limitações das pessoas de suas épocas, mostrando lhes os mitos que lhes afligiam, Marx, Freud, Einstein, são nomes recentes destes humanistas que servem de exemplo a questão. O ser humano é um ser social e sempre será, por mais que atualmente vivamos em uma sociedade que exalta o individualismo e com isso a mesquinhez, o ser humano é um ser que vive em total dependência de outros seres humanos, que lhe completem suas necessidades sejam elas psicológicas ou físicas. Entretanto mesmo que o iluminado pela luz da razão tente expandir o que sabe, aqueles que ainda encontram-se nas trevas da ignorância lutarão para defender seu modo vivendis, lutarão para manter a roda da história parada.

Frase do personagem Morpheu do filme Matrix, demonstra a ação conservadora, o desejo de permanecer na caverna.

Interessante notar que para Platão o conhecimento avança do sensível ao inteligível. Não se deve portanto desconsiderar o conhecimento do senso comum, ele é prático e busca respostas, ele representa os primeiros passo no rumo do saber, ele desperta o querer saber, o desenvolvimento humano e social é o que pré orienta o ser na busca pelo saber, o social também é o que lhe impõe os limites,  para cada geração resta romper os limites, ir além da sua sociedade, buscar o futuro – quebrar as regras de seu tempo é inevitável para quem busca um bem maior.

Nenhum comentário:

Postar um comentário